Retiro Espiritual – Junho

Retiro Espiritual – Junho

 

RETIRO DO MÊS DE JUNHO

 

A Eucaristia, alimento e remédio de nossa alma

 

Este roteiro é um guia, é uma ajuda para fazer por tua co0nta o retiro mensal, ali onde você se encontra.

 

  1. Introdução

 

 

“Na Eucaristia se comunica o amor de Deus por nós: um amor tão grande que nos alimenta com o Seu próprio ser; amor gratuito, sempre disponível a cada pessoa com fome e necessitada de revigorar suas forças. Viver a experiência da fé significa deixar-se nutrir pelo Senhor e construir a própria existência não sobre bens materiais, mas sobre a realidade que não perece: os dons de Deus, a Sua Palavra e Seu Corpo”. (Papa Francisco)[1]

 

 

Este é o nosso segundo Retiro. Como já foi divulgado no retiro anterior, todos os meses estaremos disponibilizando através do site do UniSalesiano Araçatuba, o roteiro para quem desejar fazer um retiro espiritual. As orientações para se fazer bem o retiro também estão no site. No mês de maio o tema proposto foi “Maria, Templo do Espírito Santo, razão da nossa alegria”, visto que celebramos o mês de maio como o mês onde intensificamos nossas homenagens à Mãe de Deus e nossa. Este mês gostaria de propor como tema a ser refletido: “A Eucaristia, alimento e remédio de nossa alma”. A escolha do tema se deve ao fato de que no mês de junho nós celebramos a Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo. A origem da comemoração dessa solenidade remonta ao século XIII, oficialmente em 1264, durante o pontificado de papa Urbano IV (papa da Igreja de 1261 a 1264).  Na quinta-feira, após a solenidade da Santíssima Trindade, a Igreja celebra devotamente a solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, festa comumente chamada de Corpus Christi.

O que nos motiva liturgicamente para tal festa é o louvor merecido à Eucaristia, fonte de vida da Igreja. Desde o princípio de sua história, a Igreja devota à Eucaristia um zelo especial, pois reconhece neste sinal sacramental o próprio Jesus, que continua presente, vivo e atuante em meio às comunidades cristãs. Então, celebrar Corpus Christi significa fazer memória solene da entrega que Jesus fez de sua própria carne e sangue, para a vida da Igreja, e comprometer-nos com a missão de levar esta Boa Nova para todas as pessoas.

Após esta breve introdução, convido você a colocar-se em silêncio, concentrar-se e com fé invocar a presença do Espírito Santo. É o Espírito quem nos recorda o que Jesus nos revelou através da Sua Palavra. Peçamos ao Espírito que oriente a nossa inteligência e o nosso coração a abrirem-se para as coisas que Deus nos quer falar neste seu retiro.

 

Rezemos:

 

Santo Espírito de Deus, vinde sobre mim, sobre minha casa e sobre todos nós.

Que a Vossa Luz Divina nos ilumine, retirando de nós toda a raiva e toda a escuridão.

 

Vós, que sois a alma da Igreja, vinde e renovai, a fim de que ela seja sempre testemunha do Teu Reino de Amor. Vossa força nos ajude  nos momentos em que a fraqueza quiser ocupar espaço em nossas vidas.

 

Espírito Santo, que em Pentecostes manifestastes o poder de Deus, derramai sobre nós os vossos dons. Ajudai-nos a viver a Paz do Senhor nos seus caminhos e permanecei conosco.

 

Santo Espírito Criador, criai em nós um amor grande e forte ao Pai

e que nada possa apagar essa chama.

 

Espírito da verdade, manifestai em nós o desejo de conhecer,

propagar e viver a Palavra do Senhor.

Que ela cresça em nosso coração e dê muitos frutos!

 

Espírito Santo, guia-nos sempre

e nunca vos distancie de nós. Amém.

 

 

  1. Meditação I: “A Eucaristia, alimento e remédio de nossa alma”

 

MINHA CARNE PARA A VIDA DO MUNDO

     CONCORPÓREOS E CONSANGUÍNEOS COM CRISTO[2]

 

O ALIMENTO DAS TESTEMUNHAS

Quando fui[3] preso em 1975, um angustioso questionamento se apoderou de mim: “poderei ainda celebrar a Eucaristia?” foi a mesma perguntar que mais tarde os fiéis me fizeram. De fato, logo que me viram, perguntaram-me: “Mas, o senhor pôde celebrar a santa missa?”

No momento em que tudo veio a faltar, a Eucaristia passou a ocupar o primeiro lugar em meus pensamentos: o Pão da vida. “Quem comer deste pão viverá eternamente. O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo”(Jo 6,51).

Quantas vezes recordei-me da expressão dos mártires de Abitinas (séc. IV), os quais disseram: “não podemos viver sem a Ceia do Senhor!” (cf. João Paulo II, 1998ª, n. 46).

Em todas as épocas, especialmente em tempos de perseguição, a Eucaristia foi sempre o segredo da vida dos cristãos: o alimento das testemunhas, o pão da esperança.

Eusébio de Cesaréia recorda que os cristãos não deixavam de celebrar a Eucaristia nem mesmo durante as perseguições: “Todo lugar onde se sofria tornava-se para nós um lugar para celebrar […] podia ser um campo, um deserto, um navio, um alojamento, uma prisão” (Eusébio de Cesaréia, [s.d], VII, 22,4; PG 20, 687-688). O martirológico do Século XX está repleto de comoventes histórias de celebrações clandestinas da Eucaristia em campos de concentração. Porque sem a Eucaristia não podemos viver a vida de Deus!

 

“EM MEMÓRIA DE MIM”

Na última Ceia, Jesus vive o auge de sua aventura aqui na terra: a máxima doação, no amor para com o Pai e para conosco, expressa em seu sacrifício, que ele antecipa dando-nos o seu Corpo e derramando o seu Sangue.

É deste momento culminante – e não e um outro, embora esplêndido e incomensurável, como a Transfiguração ou um de seus milagres – que Jesus nos deixa o memorial. Isto é, deixa para a Igreja o memorial-presença daquele momento supremo do amor e da dor na cruz, que o Pai torna perene e glorioso com a ressureição. Para viver dele, para viver e morrer como ele.

Jesus deseja que a Igreja celebre a sua memória e viva os seus sentimentos e as consequências disso por meio de sua presença viva: “Fazei isto em memória de mim” (1Cor 11,24).

 

Permitam-me falar novamente de minha vida. Quando fui preso, tive de ir de imediato e de mãos vazias. No dia seguinte deixaram-me escrever para casa, pedindo as coisas mais urgentes: roupas, pasta de dente… Escrevi também: “Por favor, mandem-me um pouco de vinho, como remédio para minhas dores de estômago”. Os fiéis logo entenderam para que seria.

Mandaram-me um frasco de vinho para missa, com a seguinte etiqueta: “Remédio para dores de estômago”, e algumas hóstias escondidas numa tocha para proteger contra a umidade.

A polícia me perguntou:

– O senhor sente dores de estômago?

– Sinto.

– Aqui está um pouco de remédio para o senhor.

A minha alegria naquele instante foi inexprimível: todos os dias, com três gostas de vinho e uma gota d’água na palma da mão, celebrava a missa: eis o meu altar e a minha catedral! Era autêntico remédio para o corpo e para a alma: “Remédio da imoralidade, antídoto para não morrer, mas para ter sempre a vida em Jesus”, como diz Inácio de Antioquia (PA, pp.230-231).

Todas as vezes tinha a oportunidade de estender as mãos e pregar-me na cruz de Jesus, de beber com ele o cálice mais amargo. Todos os dias, ao recitar as palavras da consagração, confirmava com todo o coração e com toda a alma um novo pacto, um pacto eterno entre mim e Jesus, mediante o seu sangue misturado com o meu. Foram as mais belas missas da minha vida!

 

QUEM COME A MINHA CARNE VIVERÁ POR MIM

 

Assim, durante anos, nutri-me do pão da vida e do cálice da salvação.

É do nosso conhecimento que os aspectos sacramentais da comida, que nutre, e da bebida, que fortifica, recorda-nos a vida que Cristo nos doa e a transformação que ele realiza: “O efeito típico da Eucaristia é a transformação que ele realiza: em Cristo” (cf. Santo Tomás, IV Sent. D 12, q. 2 a 1, p. 307), afirmam os Santos Padres da Igreja. Leão Magno comenta a este respeito: “A participação do corpo e do sangue de Cristo não faz outra senão transformar-nos no alimento que tomamos” (cf. Serm. 63,7 e LG, 26). Agostinho põe na boca de Jesus estas palavras: “Não és tu que me transformarás em ti, como se dá com o alimento da tua carne, mas tu serás transformado em mim” (Agostinho, [s.d], VII, 10). Por meio da Eucaristia, nós nos tornamos – como afirma Cirilo de Jerusalém – “concorpóreos e consanguíneos com Cristo” (PG 33, 1 100). Jesus vive em nós, e nós nele, em uma espécie de “simbiose” e de mútua imanência: ele vive em mim, permanece em mim, age por meio de mim.

 

A EUCARISTIA NO “CAMPO DE REEDUCAÇÃO”

 

Desse modo, eu sentia, na prisão, o coração de Cristo bater no meu coração. Percebia que a minha vida era a sua vida e a sua era a minha.

A Eucaristia tornara-se para mim e para os outros que eram cristãos uma presença escondida, mas que nos dava coragem em meio às inúmeras dificuldades. Jesus na Eucaristia era adorado clandestinamente pelos cristãos que viviam comigo, assim como aconteceu muitas vezes nos campos de concentração do século XX.

No “campo de reeducação”, estávamos divididos em grupos de cinquenta pessoas; dormíamos sob o mesmo teto, onde cada um ocupava o espaço de 50cm. Conseguimos fazer com que estivessem sempre comigo cinco católicos. Às 21h30 era obrigatório apagar a luz, e todos devíamos dormir. Nesse momento, eu me curvava sobre a cama para celebrar a missa, recitando tudo de cor, e em seguida distribuía a comunhão passando a mão por baixo do mosquiteiro. Chegamos até mesmo a fabricar saquinho com o papel dos pacotes de cigarros vazios, para guardar o Santíssimo Sacramento e levá-lo aos demais. Jesus Eucarístico estava sempre comigo no bolso da camisa.

Toda semana havia uma sessão de doutrinação à qual todos deviam participar. Na hora do intervalo, com os meus companheiros católicos aproveitávamos para passar um saquinho a cada um dos outros quatro grupos de prisioneiros: todos sabiam que Jesus estava em meio a eles. Durante a noite, os prisioneiros se alternavam fazendo turnos de adoração. Jesus Eucarístico era uma ajuda inimaginável com a sua presença silenciosa: muitos cristãos voltavam a ser fervorosos na fé. O seu testemunho de serviço e de amor provocava um impacto cada vez mais forte nos demais prisioneiros. A força do amor de Jesus era irresistível.

Assim a obscuridade do cárcere tornou-se luz pascal, e a semente germinou debaixo da terra, durante a tempestade. A prisão transformou-se em escola de catecismo. Os católicos batizaram os seus companheiros, sendo seus próprios padrinhos.

Ao todo foram aprisionados cerca de trezentos sacerdotes. A presença deles nos diversos campos de concentração foi providencial não apenas para os católicos, mas tornou-se também ocasião para um prolongado diálogo inter-religioso, que gerou compreensão e amizade entre todos.

Desse modo Jesus tornou-se – como dizia santa Tereza d’Avila – o verdadeiro “companheiro nosso no Santíssimo Sacramento” (Teresa de Jesus, 1946, cap. 22, n. 6).

 

UM SÓ PÃO, UM SÓ CORPO

 

E Jesus nos fez ser Igreja.

“Já que há um único pão, nós, embora muito somos um só corpo, visto que todos participamos desse único pão” (1Cor 10,17). Eis a eucaristia que faz a igreja: o Corpo Eucarístico que nos faz Corpo de Cristo. Ou, então, com a expressão de João evangelista: todos somos uma única vinha, com a linfa vital do Espírito que circula em cada um e em todos (cf. Jo 15).

Sim, a Eucaristia nos faz uma só coisa em Cristo. Cirilo de Alexandria recorda:

 

Para nos incorporar na unidade com Deus e entre nós, e para nos amalgamar uns com os outros, o Filho Unigênito […] inventou um meio maravilhoso: por meio de um só corpo, o seu, ele santifica os fiéis na mística comunhão, tornando-os concorpóresos consigo e entre eles. (Cirilo de Alexandria, In Ioannes Evangelium, 11,11; PG 74, 560)

 

Somos uma só coisa: aquele um que se ata na participação da Eucaristia. O Ressuscitado nos faz ser um com ele e com o Pai, no Espírito. Na unidade realizada pela Eucaristia e vivida no amor recíproco, Cristo apodera-se do destino dos homens, conduzindo-os para sua verdadeira meta: um só Pai e todos irmãos.

 

 

  1. Meditação II: Homilia do Papa Emérito Bento XVI[4]

 

Basílica de São João de Latrão

Quinta-feira, 23 de Junho de 2011

 

Queridos irmãos e irmãs!

 

A festa do Corpus Christi é inseparável da Quinta-Feira Santa, da Missa in Caena Domini, na qual se celebra solenemente a instituição da Eucaristia. Enquanto na tarde de Quinta-Feira Santa se revive o mistério de Cristo que se oferece a nós no pão partido e no vinho derramado, hoje, na celebração do Corpus Christi, este mesmo mistério é proposto à adoração e à meditação do Povo de Deus, e o Santíssimo Sacramento é levado em procissão pelas estradas das cidades e das aldeias, para manifestar que Cristo ressuscitado caminha no meio de nós e nos guia para o Reino do céu. O que Jesus nos doou na intimidade do Cenáculo, hoje manifestamo-lo abertamente, porque o amor de Cristo não está destinado a alguns, mas a todos. Na Missa in Caena Domini da passada Quinta-Feira Santa ressaltei que na Eucaristia se realiza a transformação dos dons desta terra — o pão e o vinho — finalizada a transformar a nossa vida e a inaugurar assim a transformação do mundo. Esta tarde gostaria de retomar esta perspectiva.

 

Poder-se-ia dizer que tudo parte do coração de Cristo, que na Última Ceia, na vigília da sua paixão, agradeceu e louvou a Deus e, deste modo, com o poder do seu amor, transformou o sentido da morte que se estava a aproximar. O facto que o Sacramento do altar tenha assumido o nome «Eucaristia» — «ação de graças» — expressa precisamente isto: que a transformação da substância do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo é fruto do dom que Cristo fez de si mesmo, dom de um amor mais forte do que a morte, Amor divino que o fez ressuscitar dos mortos. Eis por que a Eucaristia é alimento de vida eterna, Pão da vida. Do coração de Cristo, da sua «oração eucarística» na vigília da paixão, brota aquele dinamismo que transforma a realidade nas suas dimensões cósmica, humana e histórica. Tudo procede de Deus, da omnipotência do seu Amor Uno e Trino, encarnado em Jesus. Neste amor está imerso o coração de Cristo; por isso Ele sabe agradecer e louvar a Deus também perante a traição e a violência, e desta forma muda as coisas, as pessoas e o mundo.

 

Esta transformação é possível graças a uma comunhão mais forte que a divisão, a comunhão do próprio Deus. A palavra «comunhão», que usamos também para designar a Eucaristia, resume em si a dimensão vertical e a horizontal do dom de Cristo. É bonita e muito eloquente a expressão «receber a comunhão» referida ao gesto de comer o Pão eucarístico. Com efeito, quando realizamos este gesto, entramos em comunhão com a própria vida de Jesus, no dinamismo desta vida que se doa a nós e por nós. De Deus, através de Jesus, até nós: é uma única comunhão que se transmite na sagrada Eucaristia. Ouvimo-lo há pouco, na segunda Leitura, das palavras do apóstolo Paulo, dirigidas aos cristãos de Corinto: «O cálice da bênção que benzemos não é a comunhão do sangue de Cristo? E o pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Uma vez que há um único pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos nós comungamos do mesmo pão» (1 Cor 10, 16-17).

 

Santo Agostinho ajuda-nos a compreender a dinâmica da comunhão eucarística, quando faz referência a uma espécie de visão que teve, na qual Jesus lhe disse: «Eu sou o alimento dos fortes. Cresce e receber-me-ás. Tu não me transformarás em ti, como o alimento do corpo, mas és tu que serás transformado em mim» (Confissões VII, 10, 18). Portanto, enquanto o alimento corporal é assimilado pelo nosso organismo e contribui para o seu sustento, no caso da Eucaristia trata-se de um Pão diferente: não somos nós que o assimilamos, mas é ele que nos assimila a si, de tal modo que nos tornamos conformes com Jesus Cristo, membros do seu corpo, um só com Ele. Esta passagem é decisiva. Com efeito, precisamente porque é Cristo que, na comunhão eucarística, nos transforma em si, neste encontro a nossa individualidade é aberta, libertada do seu egocentrismo e inserida na Pessoa de Jesus, que por sua vez está imersa na comunhão trinitária. Assim a Eucaristia, enquanto nos une a Cristo, abre-nos também aos outros, tornando-nos membros uns dos outros: já não estamos divididos, mas somos um só nele. A comunhão eucarística une-me à pessoa que está ao meu lado e com a qual, talvez, eu nem sequer tenho um bom relacionamento, mas também aos irmãos distantes, em todas as regiões do mundo. Portanto daqui, da Eucaristia, deriva o profundo sentido da presença social da Igreja, como testemunham os grandes santos sociais, que foram sempre grandes almas eucarísticas. Quem reconhece Jesus na Hóstia sagrada, reconhece-O no irmão que sofre, que tem fome e sede, que é estrangeiro, está nu, doente, prisioneiro; e está atento a cada pessoa, empenha-se de modo concreto por todos aqueles que se encontram em necessidade. Portanto, do dom de amor de Cristo provém a nossa especial responsabilidade de cristãos na construção de uma sociedade solidária, justa e fraterna. Especialmente no nosso tempo, em que a globalização nos torna cada vez mais dependentes uns dos outros, o Cristianismo pode e deve fazer com que esta unidade não se edifique sem Deus, ou seja, sem o verdadeiro Amor, o que daria espaço à confusão, ao individualismo e à prepotência de todos contra todos. O Evangelho visa desde sempre a unidade da família humana, uma unidade não imposta do alto, nem por interesses ideológicos ou económicos, mas sim a partir do sentido de responsabilidade recíproca, porque nos reconhecemos membros de um único corpo, do corpo de Cristo, porque aprendemos e continuamos a aprender constantemente do Sacramento do Altar, que a partilha, o amor é o caminho da verdadeira justiça.

 

Voltemos agora ao gesto de Jesus na Última Ceia. O que aconteceu naquele momento? Quando Ele disse: isto é o meu corpo, que é entregue por vós; isto é o meu sangue, derramado por vós e pela multidão, o que acontece? Neste gesto, Jesus antecipa o acontecimento do Calvário. Por amor, Ele aceita toda a paixão, com a sua dificuldade e a sua violência, até à morte de cruz; aceitando-a deste modo, transforma-a num gesto de doação. Esta é a transformação de que o mundo tem mais necessidade, porque o redime a partir de dentro, abrindo-o às dimensões do Reino dos céus. Mas esta renovação do mundo, Deus quer realizá-la sempre através do mesmo caminho percorrido por Cristo, aliás, o caminho que é Ele mesmo. Não há nada de mágico no Cristianismo. Não existem atalhos, mas tudo passa através da lógica humilde e paciente do grão de trigo que se abre para dar vida, a lógica da fé que move as montanhas com a força mansa de Deus. Por isso, Deus quer continuar a renovar a humanidade, a história e o cosmos através desta cadeia de transformações, cujo sacramento é a Eucaristia. Mediante o pão e o vinho consagrados, nos quais estão realmente presentes o seu Corpo e o seu Sangue, Cristo transforma-nos, assimilando-nos a Ele: compromete-nos na sua obra de redenção tornando-nos capazes, pela graça do Espírito Santo, de viver segundo a sua própria lógica de entrega, como grãos de trigo unidos a Ele e nele. É assim que se semeiam e amadurecem nos sulcos da história a unidade e a paz, que constituem o fim para o qual tendemos, segundo o desígnio de Deus.

 

Sem ilusões, sem utopias ideológicas, nós caminhos pelas veredas do mundo, trazendo dentro de nós o Corpo do Senhor, como a Virgem Maria no mistério da Visitação. Com a humildade de saber que somos simples grãos de trigo, conservemos a certeza firme de que o amor de Deus, encarnado em Cristo, é mais forte que o mal, a violência e a morte. Sabemos que Deus prepara para todos os homens céus novos e uma nova terra, onde reinam a paz e a justiça — e na fé entrevemos o mundo novo, que é a nossa verdadeira pátria. Também esta tarde, enquanto o sol se põe sobre esta nossa amada cidade de Roma, pomo-nos a caminho: conosco está Jesus-Eucaristia, o Ressuscitado, que disse: «Eis que Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo» (Mt 28, 20). Obrigado, Senhor Jesus! Obrigado pela vossa fidelidade, que sustém a nossa esperança. Permanecei conosco, porque está a anoitecer. «Bom Pastor, Pão verdadeiro, ó Jesus, tende piedade de nós; alimentai-nos, defendei-nos e conduzi-nos para os bens eternos, na terra dos vivos!». Amém.

 

  1. Para Recordar:

 

Santos e Santas falando sobre a Eucaristia:

“Se conhecêssemos o valor do Santo Sacrifício da Missa que zelo não teríamos em assistir a ela”. (Cura d’Ars).

“Não percamos tão grande oportunidade para negociar com Deus. Ele [Jesus] não costuma pagar mau a hospedagem se o recebemos bem”. (Santa Teresa D’Avila)

“Eu que sempre peco, preciso sempre do remédio ao meu alcance”. (Santo Ambrósio)

“A Eucaristia é o pão de cada dia que se toma como remédio para a nossa fraqueza de cada dia.” (Santo Agostinho)

“Não é para ficar numa ambula de ouro, que Jesus desce cada dia do céu, mas para encontrar um outro céu, o da nossa alma, onde ele encontra as suas delícias”. (Santa Teresinha do Menino Jesus)

“Não omitais nunca a visita a cada dia ao Santíssimo Sacramento, ainda que seja muito breve, mas contanto que seja constante”. (Dom Bosco)

“Cristo, “pão vivo que desceu do Céu” (Jo 6,51) é o único que pode saciar a fome do homem de todos os tempos e em todas as regiões da terra”. (S. João Paulo II)

“Quando Jesus está presente corporalmente em nós, ao redor de nós, montam guarda de amor os anjos”. (S. Bernardo de Claraval)

 

 

Oração

Meus Senhor Jesus Cristo, que por amor aos homens ficais dia e noite nesse sacramento, todo cheio de misericórdia e amor, esperando, chamando e acolhendo todos os que vêm visitar-Vos, eu creio que estais presente no sacramento do altar.

Adoro-Vos do abismo do meu nada e dou-Vos graças por todos os Vossos benefícios, especialmente por Vos terdes dado a mim neste sacramento, por me terdes concedido por advogada Maria, Vossa Mãe Santíssima, e, finalmente, por me haverdes chamado para Vos visitar nessa igreja.

Saúdo, hoje, Vosso coração amantíssimo. Primeiro, em agradecimento pelo grande dom de Vós mesmos; segundo, em reparação pelas injúrias que tendes recebido neste sacramento.

 

  1. Leitura Espiritual: JOÃO PAULO II[5]

 

Trechos da Encíclica

ECCLESIA DE EUCHARISTIA

 

  1. A Igreja vive da Eucaristia. Esta verdade não exprime apenas uma experiência diária de fé, mas contém em síntese o próprio núcleo do mistério da Igreja. É com alegria que ela experimenta, de diversas maneiras, a realização incessante desta promessa: «Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo» (Mt 28,20); mas, na sagrada Eucaristia, pela conversão do pão e do vinho no corpo e no sangue do Senhor, goza desta presença com uma intensidade sem par. Desde o Pentecostes, quando a Igreja, povo da nova aliança, iniciou a sua peregrinação para a pátria celeste, este sacramento divino foi ritmando os seus dias, enchendo-os de consoladora esperança.

 

  1. Do mistério pascal nasce a Igreja. Por isso mesmo a Eucaristia, que é o sacramento por excelência do mistério pascal, está colocada no centro da vida eclesial. Isto é visível desde as primeiras imagens da Igreja que nos dão os Atos do Apóstolos: «Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão, e às orações» (At 2, 42). Na «fração do pão», é evocada a Eucaristia. Dois mil anos depois, continuamos a realizar aquela imagem primordial da Igreja. E, ao fazê-lo na celebração eucarística, os olhos da alma voltam-se para o Tríduo Pascal: para o que se realizou na noite de Quinta-feira Santa, durante a Última Ceia, e nas horas sucessivas. De facto, a instituição da Eucaristia antecipava, sacramentalmente, os acontecimentos que teriam lugar pouco depois, a começar da agonia no Getsémani. Revemos Jesus que sai do Cenáculo, desce com os discípulos, atravessa a torrente do Cedron e chega ao Horto das Oliveiras. Existem ainda hoje naquele lugar algumas oliveiras muito antigas; talvez tenham sido testemunhas do que aconteceu junto delas naquela noite, quando Cristo, em oração, sentiu uma angústia mortal « e o seu suor tornou-se-Lhe como grossas gotas de sangue, que caíam na terra » (Lc 22, 44). O sangue que, pouco antes, tinha entregue à Igreja como vinho de salvação no sacramento eucarístico, começava a ser derramado; a sua efusão completar-se-ia depois no Gólgota, tornando-se o instrumento da nossa redenção: «Cristo, vindo como Sumo Sacerdote dos bens futuros […] entrou uma só vez no Santo dos Santos, não com o sangue dos carneiros ou dos bezerros, mas com o seu próprio sangue, tendo obtido uma redenção eterna» (Hb 9, 11-12).

 

  1. A Eucaristia, presença salvífica de Jesus na comunidade dos fiéis e seu alimento espiritual, é o que de mais precioso pode ter a Igreja no seu caminho ao longo da história. Assim se explica a cuidadosa atenção que ela sempre reservou ao mistério eucarístico, uma atenção que sobressai com autoridade no magistério dos Concílios e dos Sumos Pontífices. Como não admirar as exposições doutrinais dos decretos sobre a Santíssima Eucaristia e sobre o Santo Sacrifício da Missa promulgados pelo Concílio de Trento? Aquelas páginas guiaram a teologia e a catequese nos séculos sucessivos, permanecendo ainda como ponto de referência dogmático para a incessante renovação e crescimento do povo de Deus na sua fé e amor à Eucaristia. Em tempos mais recentes, há que mencionar três encíclicas: a encíclica Miræ caritatis de Leão XIII (28 de Maio de 1902), a encíclica Mediator Dei de Pio XII (20 de Novembro de 1947) e a encíclica Mysterium fidei de Paulo VI (3 de Setembro de 1965).

 

  1. «O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue» (1Cor 11, 23), instituiu o sacrifício eucarístico do seu corpo e sangue. As palavras do apóstolo Paulo recordam-nos as circunstâncias dramáticas em que nasceu a Eucaristia. Esta tem indelevelmente inscrito nela o evento da paixão e morte do Senhor. Não é só a sua evocação, mas presença sacramental. É o sacrifício da cruz que se perpetua através dos séculos. Esta verdade está claramente expressa nas palavras com que o povo, no rito latino, responde à proclamação « mistério da fé » feita pelo sacerdote: «Anunciamos, Senhor, a vossa morte».

 

A Igreja recebeu a Eucaristia de Cristo seu Senhor, não como um dom, embora precioso, entre muitos outros, mas como o dom por excelência, porque dom d’Ele mesmo, da sua Pessoa na humanidade sagrada, e também da sua obra de salvação. Esta não fica circunscrita no passado, pois «tudo o que Cristo é, tudo o que fez e sofreu por todos os homens, participa da eternidade divina, e assim transcende todos os tempos e em todos se torna presente».

 

Quando a Igreja celebra a Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do seu Senhor, este acontecimento central de salvação torna-se realmente presente e «realiza-se também a obra da nossa redenção». Este sacrifício é tão decisivo para a salvação do género humano que Jesus Cristo realizou-o e só voltou ao Pai depois de nos ter deixado o meio para dele participarmos como se tivéssemos estado presentes. Assim cada fiel pode tomar parte nela, alimentando-se dos seus frutos inexauríveis. Esta é a fé que as gerações cristãs viveram ao longo dos séculos, e que o magistério da Igreja tem continuamente reafirmado com jubilosa gratidão por dom tão inestimável. É esta verdade que desejo recordar mais uma vez, colocando-me convosco, meus queridos irmãos e irmãs, em adoração diante deste Mistério: mistério grande, mistério de misericórdia. Que mais poderia Jesus ter feito por nós? Verdadeiramente, na Eucaristia demonstra-nos um amor levado até ao «extremo» (cf. Jo 13, 1), um amor sem medida.

 

 

  1. Exame de Consciência

 

“Ficai certos de que todos os instantes da vossa vida, o tempo que passardes diante do Divino Sacramento será o que vos dará mais força durante a vida, mais consolação na hora da morte e durante a eternidade”. (Santo Afonso Maria de Ligório)

Durante a semana, reservo algum tempo para estar diante do Sacrário para fazer a minha adoração ao Santíssimo Jesus Eucarístico? Tenho consciência de que estar diante da Eucaristia é importante para a minha vida espiritual e para a minha vida cristã?

 

“Duas espécies de pessoas devem comungar com frequência: os perfeitos para se conservarem perfeitos, e os imperfeitos para chegarem à perfeição”. (São Francisco de Sales)

Como me considero como pessoa e como cristão, perfeito ou imperfeito? Tenho consciência das minhas imperfeições? Levo em consideração que comungar é para mim um caminho de perfeição pois a eucaristia me faz viver na graça de Deus? Estou ciente de que receber a eucaristia é permitir que a força de Deus entre em mim para me transformar?

 

“Remédio pelo qual somos livres das falhas cotidianas e preservados dos pecados mortais”. (Concílio de Trento)

Considero a Eucaristia o remédio para as minhas imperfeições? Se considero, o que tenho feito para não me privar deste sagrado remédio?

 

“A Eucaristia é o pão de cada dia que se toma como remédio para a nossa fraqueza de cada dia”. (Santo Agostinho)

Considero a Eucaristia como meu verdadeiro alimento? Sei que recebendo a eucaristia estou recebendo o verdadeiro fortificante que me sustenta nos momentos débeis da minha vida?

 

“Este pão do céu requer que se tenha fome. Ele quer ser desejado”. (São Gregório Nazianzeno) Tenho fome de Jesus Eucaristia? Desejo recebe-lo com todo o meu coração e com espírito de sacrifício?

 

“Não comungar seria o maior desprezo a Jesus que se sente “doente de amor”. (São João Crisóstomo)

Sei que não participando da Santa Missa por preguiça ou comodidade estou cometendo uma falta muito grave? Tenho consciência de que faltar à missa é deixar de viver um salutar momento de intimidade com Jesus?

 

“Eu que sempre peco, preciso sempre do remédio ao meu alcance”. (Santo Ambrósio)

Tenho consciência de que sou um pecador? Estou ciente de que a Eucaristia é um remédio que me salva? Tenho me preocupado com a minha salvação pessoal e com a salvação da minha família?

 

  1. Ato de Contrição[6]

 

Senhor, eu me arrependo sinceramente de todo mal que pratiquei e do bem que deixei de fazer. Pecando, eu vos ofendi, meu Deus e meu sumo bem, digno de ser amado sobre todas as coisas. Prometo firmemente, ajudado com a vossa graça, fazer penitência e fugir às ocasiões de pecado. Amém![7]

 

  1. Oração Final

 

Rezemos:

 

Oração a Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento

 

Ó Virgem Maria, Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, glória do povo cristão, alegria da Igreja Universal, Salvação do mundo, rogai por nós e despertai em todos os fiéis a devoção à Santíssima Eucaristia, a fim de que se tornem dignos de comungar todos os dias.

Ó Santíssima e Imaculada Senhora, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo e nossa, nós, os pecadores, pedimos-vos que nos alcanceis de vosso Divino Filho Sacramentado todos os dons e graças de que necessitamos, para vivermos sustentados de Seu amor, para adquirirmos os merecimentos de Seus fiéis escravos e para termos a felicidade de, com Ele e convosco, viver por todos os séculos dos séculos. Amém.

 

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[1] Papa Francisco, Solenidade de Corpus Christi. Basílica São João de Latrão Quinta-feira, 19 de junho de 2014, in: https://noticias.cancaonova.com/especiais/pontificado/francisco/homilia-do-papa-na-solenidade-de-corpus-christi/

[2]Extrato: VAN THUAN, François X. N., Testemunhas da Esperança, Cidade Nova, São Paulo, 2007, p. 133-138.

[3] Fim da Guerra do Vietnã, 1976. O novo governo, marxista, prende as pessoas consideradas perigosas para o povo. Entre elas, o arcebispo católico François Van Thuan. Ele passa treze anos no cárcere, nove incomunicáveis; depois vai para um “campo de reeducação”… Só lhe restam duas possibilidades: amar a Deus, no segredo de sua cela, e amar cada próximo que encontra.

[4]Papa Bento XVI, Basílica de São João de Latrão. Quinta-feira, 23 de Junho de 2011 In: http://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/homilies/2011/documents/hf_ben-xvi_hom_20110623_corpus-domini.html.  Pesquisado no dia 13.05.2021.

[5] São João Paulo II, Papa. CARTA ENCÍCLICA ECCLESIA DE EUCHARISTIA, abril de 2003. In: http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_20030417_eccl-de-euch.html, pesquisado no dia 13.05.2021.

[6] Chama-se Ato de Contrição Perfeita a um recurso utilizado quando o penitente está impossibilitado de fazer a confissão sacramental e, para não descumprir o segundo mandamento da Igreja: “confessar-se ao menos uma vez por ano por ocasião da Páscoa”, reza fervorosamente uma fórmula de Ato de Contrição, com o firme propósito de receber o Sacramento da Reconciliação tão logo possível.

[7] Retirado do livro ‘Sou Católico, vivo a minha fé, Edições CNBB, 5ª edição 2019.

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